Por Luciana Gazzoni, coach, consultora, interculturalista e especialista em gestão de pessoas e liderança
Final de ano chegando e o ciclo de avaliações de desempenho começa a aquecer. É hora de dar e receber feedbacks. Gestores e funcionários dão seus retornos sobre comportamento, metas e desempenho. Em algumas empresas, a prática também acontece entre colegas. Este não precisa ser o único momento do ano para isso, mas alguns comportamentos podem facilitar ou dificultar a comunicação. Compartilho aqui uma teoria da análise transacional. Ela me auxilia muito em momentos de diálogo, principalmente nos mais difíceis. Espero que ajude você também.
Para começo de conversa, o que é essa tal análise transacional?
Sendo bem sintética: é uma teoria da personalidade humana desenvolvida pelo psiquiatra canadense Eric Berne. O conceito que quero explorar aqui é o da Posição Existencial. Segundo Berne, desenvolvemos uma percepção sobre nós mesmos e sobre os outros em nossa primeira infância. Ao longo da vida, vamos confirmando essa percepção. Fortalecemos tanto as nossas impressões que, em determinado momento, elas se tornam nossa lente para enxergar o mundo.
Qual é a sua lente?
Berne fez uma correlação com os sinais da matemática e propôs quatro posições existenciais, que englobam dois aspectos: EU/OUTRO e OK/NÃO OK.
As quatro posições são:
1. Eu estou OK / Outro está OK (+/+)
É a única posição considerada saudável nas relações.
Características:
– A pessoa respeita a si mesma e sente-se capaz de lidar com as situações de vida.
– Enxerga a si e aos outros com forças e vulnerabilidades.
– Sente-se capaz de lidar com a realidade tanto em seus aspectos positivos quanto nas limitações.
– Estabelece diálogos em busca de soluções ganha- ganha.
Metas e desempenho:
Pessoas que vivem predominantemente no +/+ tendem a estabelecer metas de vida alcançáveis. Geralmente atingem seus objetivos sem prejudicar a si mesmas ou aos outros.
2. Eu estou OK / Outro não está OK (+/-)
Posição de colocar-se de forma superior.
Características:
– Pessoas nesta posição sentem-se superiores de alguma forma.
– Enxergam erros e limitações dos outros e ficam impacientes.
– Podem se expressar valorizando suas próprias competências, valores e “verdades”.
– Podem demonstrar agressividade descaradamente ou utilizando tons baixos e sarcásticos.
– Visualizam seus pontos fortes, mas não suas limitações ou defeitos, que ficam projetados no outro.
Metas e desempenho:
Pessoas com predominância na posição +/- estabelecem metas que são alcançadas, muitas vezes, com excessivo domínio e criticidade. O preço pago para isso é alto, tanto pelas outras pessoas quanto pelas organizações. Lembram da Miranda no filme Diabo Veste Prada?
Tem gente que ainda acredita que fazer o outro sentir-se mal, pressionado e humilhado é a melhor forma de gerar resultados. Pode ser uma maneira rápida, mas não é sustentável a médio e longo prazo. As melhores empresas para se trabalhar já comprovaram: ambientes mais saudáveis são mais produtivos, lucrativos e perenes.
3. Eu não estou OK / Outro está OK (-/+)
Comportamento de inferioridade.
Características:
– Essas pessoas sentem-se menos competentes ou inadequadas em comparação aos outros.
– Podem adotar uma postura passiva nas tomadas de decisões.
– Não sentem-se capazes de opinar. Deixam de comunicar suas necessidades e pedidos para os outros pois, de alguma forma, têm medo de sanções ou da inadequação que sentem.
– Engolem “com farinha” desgostos, sapos, pontos de vista, sem se expressar de forma assertiva.
– Deixam de enxergar suas qualificações, competências e aumentam a lente de suas vulnerabilidades.
Metas e desempenho:
Tendem a estabelecer metas e não alcançá-las, seja porque são fora das possibilidades reais ou por se sabotarem.
4. Eu não estou OK / Outro não está OK (-/-)
Posição que leva a relações ruins e improdutivas
Características:
– Vitimização constante. Não enxergam, nem em si e nem nos outros, a possibilidade de lidar com desafios.
– Sentem-se reféns e encurraladas. Você pode ouvir delas “não tem jeito mesmo”, “não vale a pena”, “nada que aconteça ou que eu faça vai mudar isso mesmo”.
– Sentem-se inadequadas e incapazes.
Metas e desempenho:
Tendem a não estabelecer metas pois não acreditam que vale a pena
E o que isso tudo tem a ver com os seus feedbacks?
Nós não ficamos na mesma posição existencial o dia todo. Temos uma posição na qual permanecemos a maior parte do tempo, mas podemos oscilar de acordo com relacionamentos e situações.
Por exemplo: pode ser que frente ao diretor da área você se sinta -/+, mas em relação ao seu chefe você se sinta +/+.
Algum colega pode estimular em você uma postura +/-.
No feedback não é diferente. Frente a um diálogo de feedback gestor/funcionário ou na oportunidade de dar um feedback a um colega, o faça desta posição de okeidade (+/+).
O que você pode fazer diante de tudo isso?
Treinar para permanecer no +/+ e construir relacionamentos saudáveis. Posições positivas estimulam as melhores versões nossas e dos outros.
Sim, você pode ver lacunas de competências no outro ou ter razão em suas críticas. Mas nada justifica fazê-lo sentir-se inferior, ou convidá-lo a uma posição de superioridade. Ambos têm forças e vulnerabilidades.
Dar um feedback a partir do +/+ é compreender que para tudo há um contexto. E que você não tem a verdade absoluta sobre o outro, mas pode contribuir para que ele enxergue como te impacta.
É um prisma sobre o outro, valioso, que pode ajudá-lo a se desenvolver. Mas é apenas uma perspectiva. Você pode desenvolver essas habilidades todos os dias nas interações e relacionamentos interpessoais. Pense nisso.
Escrito por Luciana Gazzoni